sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Alegria no trabalho

Conversa apanhada no ar logo pela manhã no trabalho:

"-Um colega meu foi ontem àquela danceteria que fica(....) Temos de lá ir para a semana para nos rir-mos um bocado. Consta que é só cabredo!!!

-É VERDADE É!!!

-Mas ... como é que sabes???

-A minha mãe custuma lá ir e disse-me..." (Resposta dada com a maior da convicção e ingenuidade)

10 minutos de gargalhadas compulsivas, limpar as lágrimas dos olhos de tanto rir e siga para mais um dia com a certeza que o ponto alto foi logo ás 10 da manhã!

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Missão lembrar e renascer

A minha avó Gracinda deixou-nos na passada quinta feira. Partiu para o merecido descanso que não teve em vida.
Não é possível descrever o sentimento de perder de forma abrupta, na sequência de um acidente estupidamente brutal a mulher que me criou desde sempre e que durante os 27 anos em que diariamente convivi com ela trabalhou para os que a rodeavam incansavelmente até ao limite das suas capacidades.
A ela devo a aprendisagem de que por os outros à frente dos nosso próprios interesses e necessidades não é apenas uma qualidade humana. É um dom, uma missão que nos eleva a um patamar superior sem a ambição de receber nada em troca.
Fica a felicidade de sempre que recordar a minha avó Gracinda não conseguir por mais que tente lembrar uma mágoa, um defeito...uma maldade ou uma qualquer má recordação.
Não há tempo para chorar a perda. Há uma missão maior, apoiar o meu avô que tenta recuperar no H. das mazelas físicas e da dor que lhe vai no coração... sorrisos e boa disposição são obrigatórios, e este blog será o reflexo disso mesmo.
Deixo-vos apenas com um dos textos que mais me comoveu em tempos que recupero agora dedicado à mulher mais importante da minha vida:

Carta para Josefa, minha avó

Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo – e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal! Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira – sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.

Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha. Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-me tu, ou terei sonhado que o contavas?...) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.

Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não fazia parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal, a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha vã e chão de terra batida. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrugada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos – e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Porque foi então que te roubaram o mundo? Quem to roubou? Mas disto entendo eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti – e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.

Não teremos realmente? Eu não terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa, de que me não acusas – e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: «O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!»É isto que eu não entendo – mas a culpa não é tua.

José Saramago, Deste Mundo e do Outro